domingo, 4 de novembro de 2018

Afirmação indígena na escola e para além da escola: Trocas de Saberes entre tia e sobrinhas








Muitas coisas boas aconteceram num curto espaço de tempo, coisas muito boas, resultantes das sementinhas plantadas e também coisas difíceis. Dentre tantas, vou escolher falar da viagem que fiz com Eliene e Erica, minhas sobrinhas, filhas da minha prima Elza.  Em 2017 propus uma roda de conversa sobre Modos de Ser Indígena na escola Francisco Desmorest Passos, na comunidade de Nazaré, às margens do Rio Madeira. Na realização da primeira roda em 2017 teve declaração de afirmação indígena, feita por minhas sobrinhas Eliene e Erica, Tanã e Lucas, teve dança indígena com a participação de Vitória, uma jovem do Acre em processo de afirmação indígena, teve as alunas da escola dançando boi, teve rádio dos alunos entrevistando a professora Márcia Mura (eu), teve alunas e alunos na roda de toré (dança indígena vinda do nordeste em homenagem a Xicão Xucuru que foi assassinado por defender seu Povo e com isso essa dança se tornou simbolo da resistência indígena), teve exposição de artefatos indígenas da Amazônia, teve livros sobre questão indígena, teve grafismo indígena. Em 218, achei que seria importante ir para o Acampamento Terra Livre em Brasília, mas antes de ir tive encontro com os demais professores para falar da importância do projeto, apresentei matérias como sugestão para serem trabalhados, deixei livros e artefatos para realizarem as atividades.  Fiquei feliz por terem realizado a roda de conversa sem minha presença. Foi muito importante, pois assim, criei esperanças de o projeto continuar independente de eu estar ou não presente.
Enfim, em 2018, foi garantido a roda de conversa sobre Modos de Ser Indígena e na escola assumidos por outros professores. Em agosto eu junto com as meninas fomos apresentar nosso projeto e toda a nossa prática de descolonização da educação na semana de Educação da USP e outros espaços em São Paulo. Que vou apresentar agora, pois foi uma vivência bonita de aprendizagens.

Antes de embarcar um registro com o pai e o tio delas.

Nós três ainda não acreditando que estava dando o certo.


Iniciando o percurso da viagem descendo o Rio Madeira.
I
Na Escola Barão de Mauá a convite da professora Geisy conversamos primeiro só com professores e depois com os alunos. As meninas compartilharam seus saberes com estudantes do ensino fundamental e médio, os quais foram muito atenciosos e respeitadores, foi mesmo uma importante  troca de experiências.








 Soube por meio do parente Jarbas Pankararu que os parentes escritores estavam no Itau cultural na Paulista. As levei para conhecer a parentada. Foi um grande aprendizado para elas, pois tiveram contato com parentes artistas, escritores de diferentes etnias.

E entre conhecer parentes artistas e fazer parte de rodas de conversas na escola pública, na casa de cultura com o levante indígena da Usp e na mesa onde apresentamos como estamos vivenciando nossa descolonização na educação, graças a Namatuyky e a Cris minha amiga aliada as causas indígenas,  ainda conseguimos ir ao litoral e assim as meninas tiveram seu primeiro contato com o Mar.




Falando para as meninas que o Mar é sagrado assim como o nosso rio Madeira.



A rainha do Lago do Peixe Boi conhecendo o Mar.



No Itaú Cultural



 
 
 



Na USP

Depois de fazerem a apresentação da dança de Boi com toada sobre o Povo Mura, Erica e Eliene comporam comigo para falarmos da descolonização da educação, elas contribuíram muito compartilhando seus próprios modos de vida, as margens do Rio Madeira.




Na Terra Indígena Guarani - No Pico do Jaraguá


Vivência de aprendizagem com Tamikuã que nos deu dicas para que o nosso conhecimento ancestral com as argilas renasça em nós. Lilian também vivenciou conosco esse momento.





Foram muitas aprendizagens vivencias e em colaboração entre nós três e entre os parentes e amigas e amigos que nos deram apoio total. Kwekatu Reté a todas e todos!








terça-feira, 4 de setembro de 2018

As Mulheres Indígenas sabem fazer política


As mulheres indígenas quando tomam banho em grupo no igarapé é uma festa! É uma reunião de risos e brincadeiras. (imagem poética do nosso banho a noite no igarapé, quando voltamos do passeio na aldeia, após a eleição da coordenação)





foto página da AGIR sem indicação de autoria
Rosa Karo - foto de minha autoria
Tomando Chicha das parentas durante a assembléia
Self tirada por Rosa Karo

De 27 a 31 de Agosto de 2018 as mulheres indígenas de Rondônia se reuniram no Centro Cultural " Wagôh Pakob na aldeia Paiter linha 09 Terra Indígena Sete de Setembro, para realizar a III assembleia ordinária para nova eleição da coordenação da AGIR - Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia. A abertura foi feita com a parenta Sônia Guajajara, que foi convidada especial para falar da luta das mulheres no movimento indígena. Foram dias de formação, vivência cultural, trocas de ideias e escolhas de representantes. A coordenadora e a Vice Coordenadora foram mantidas havendo algumas mudanças na composição da diretoria foram feitas. Eu não pude participar desde os primeiro dia, porque eu estava em São Paulo junto com minhas sobrinhas apresentando nosso projeto de rodas de conversa sobre Modos de Ser Indígena realizado na escola, mas ainda consegui chegar a tempo para participar das eleições, tomar uma chicha, passear na aldeia e tomar banho no igarapé com a parentada.




terça-feira, 19 de junho de 2018

As imagens da memória de tia Cila que ficarão vivas por meio de sua narrativa



Cila Trindade dos Santos; nasceu em 1947 na localidade Centro Comercial que faz parte do Uruapiara. Sua passagem para outro plano da vida se deu no dia 15 de Junho de 2018. 



Uma coisa que eu pedia mermo e eu agradeço pra Deus até hoje... É isso!... E Deus ouviu minhas preces... Porque eu queria que ele me deixasse eu criar meus filhos tudinho... Eu não queria que eles se criassem, assim, sem mãe como eu me criei não... Eu queria que eu criasse tudinho sem deixar eles nas mãos dos outros... Queria eu mesmo criar e deixar tudo criado. E graças a Deus eu criei tudinho... Já estão tudo criados e tem até os netos que já estão quase tudo criados...


Tia Cila tinha um grande amor dentro de si e fazia questão de compartilhá-lo. Dedicou sua vida a sua família. Mulher forte, corajosa que enfrentou todos os desafios para cuidar, alimentar, vestir e calçar seus filhos, enquanto o marido estava trabalhado longe. Construiu melhores dias para os filhos lado a lado com o marido. Marido, Filhos, netos, bisnetos, irmãos, sobrinhas, conhecidos, todos que tiveram a oportunidade de vivenciar experiências de vida com ela, manterão viva a lembrança do seu sorriso, do seu carinho, dos seus conselhos, dos bolinhos de massa, de toda a alimentação tradicional que ela preparava com saber e sabor amazônico. 

Tia Cila enfrentou vários desafios na vida, mas se sentia vitoriosa por ter lutado junto com o marido e criado todos os filhos. Tudo que sonhou para si quando jovem e não teve oportunidade para realizar, lutou para que seus filhos tivessem. Com base nos desafios enfrentados por não ter sido criada por sua mãe, passou a sonhar em ter sua própria família e dar outro horizonte a ela. Em sua narrativa  que resultou do trabalho de historia oral que realizei com ela para a tese de doutorado " Tecendo Tradições Indígenas", ela diz: Eu gostava muito de ir pra festa dançar... Eu pensava de ter uma vida sem casar cedo, né? Queria levar minha vida mais longe... Queria estudar, assim, como uma das minhas tias e depois meus irmãos que também foram estudar em Manaus... Mas eu não tive essa oportunidade. Ai foi o tempo que nós se casamos, eu e o Antônio. Casei com 17 anos. E... Graças a Deus o meu casamento foi bom. Fui vivendo a vida, assim, levando uma experiência de vida familiar... Lutando... Trabalhando... Nós sempre vivemos uma vida de luta, porque nossa vida sempre foi de luta! Pra conseguir alguma coisa... Com a luta a gente vence. Com muita dificuldade pra criar os filhos... Mas a minha esperança era sempre de levar aquela vida que fosse melhorando... E querer para os filhos, principalmente, uma vida melhor. 


Mesmo que sua primeira lembrança tenha sido traumática conforme demonstra o trecho de sua narrativa: Eu me lembro de uma parte da minha vida de quando eu era pequena... Eu estava dizendo pro Antônio - Tem coisa que a gente grava assim desde pequeno na cabeça, que a gente não se esquece, né?... A primeira coisa, assim, que me lembro é que a tia Maria era solteira. Quando a minha mãe morreu a tia Maria tava lá com meu avô, ela era solteira, quando ela casou eu já tava que nem esse Lucas, meu neto de cinco anos de idade, eu acho. Porque eu me lembro dessa parte ai... Quando o tio Benedito veio buscar ela... Eu acho graça agora lembrando disso, mas ainda lembro como eu me senti quando minha tia foi embora e eu fiquei... Eu fiquei rolando no chão... Na beira d’água... A modo que eu to vendo até a árvore que tinha lá, onde eu fiquei chorando... Porque ela não queria me levar... Não me levou... Ela me deixou lá com meu avô e minha avó... E eu fiquei rolando no chão... Chorando pra mim ir mimbora com ela... Essa é a parte que eu me alembro... Ai daí vai... Com o tempo parece que passa aquilo que a gente não a alembra mais, né? Passa e a gente deixa pra lá. Ainda assim, traz boas recordações da infância: As brincadeiras de roda eram essas que nós brincava aqui em casa. Eu não me lembro mais muito dessas brincadeiras, o Antônio é que deve lembrar... O Antônio tem que se lembrar das coisas porque ele já era mais velho do que eu nesse tempo... Eu só me lembro dessa mermo que nós cantava... Como era que começava meu Deus? Tinha essa, assim, - Ôh flor... Ôh linda flor... Ôh flor vem cá. Ôh flor o linda flor olê... Olê... Olê... Olá! Senhora dona da casa dê licença de eu entrar... Ai vinha a senhora e respondia... “Diga um verso bem bonito e diga adeus e vá embora”. A gente falava e a outra pessoa respondia e ai vinha outra e já entrava pra fazer essa coisa também. Tem muita brincadeira de roda, só que eu não me lembro mais... Não me lembro mermo! Essa cirandinha também... Tinha uma que estou me lembrando agora:

A canoa virou
Por deixá-la virar
Foi por causa da Maria
Que não soube nadar
Se eu fosse um peixinho e soubesse nadar
Eu salvava a Maria
Lá do fundo mar
Seu eu fosse um peixinho e soubesse nadar
Levava Maria nas ondas do mar
 Ela é de ouro pra te navegar...
 Latinga... Latinga... Latinga... Lá lá...

Embalada pelas canções do tempo de criança que suavizam as dificuldades por ela enfrentadas, supera a perda da mãe tornando-se mãe e dando todo o amor que ela desejou ter a seus filhos: Depois que eu casei... Que eu tive meus filhos... Via eles assim... Não sabia como diz o ditado... Eu ia tendo e não sabia o que eu ia fazer com eles... Mas uma coisa eu sabia... Eu queria tudo de bom pra eles... Uma coisa que eu pedia mermo e eu agradeço pra Deus até hoje... É isso!... E Deus ouviu minhas preces... Porque eu queria que ele me deixasse eu criar meus filhos tudinho... Eu não queria que eles se criassem, assim, sem mãe como eu me criei não... Eu queria que eu criasse tudinho sem deixar eles nas mãos dos outros... Queria eu mesmo criar e deixar tudo criado. E graças a Deus eu criei tudinho... Já estão tudo criados e tem até os netos que já estão quase tudo criados... Então isso foi uma benção que Deus deu pra mim... Porque por mais que sejam tudo bom pra gente, mas eu acho que num é como a mãe... Pai... Que nem a gente, né... Eu fico pensando muito e se lembrando de tudo isso. 
A narrativa de tia Cila trouxe memórias de um mundo do seringal que vivenciou e ainda vivencia modos de ser indígenas, ela me ajudou a tecer os fios das ancestralidades indígenas da minha família e da comunidade que ela também  fez parte. Foi ela que me explicou direitinho os componentes utilizados para fazer as panelas de barro (a qual é uma tradição feminina milenar indígena, ainda presente no Uruapeara), ela me falava o nome das comidas tradicionais as quais eu saboreava e registrava os nomes indígenas.  Em sua narrativa os modos de ser indígenas aparecem no modo de falar, de fazer e ser. Vou guardar a imagem dela sorrindo para mim quando eu a chamava de Mura Pirahã, um sorriso que não negava, nem afirmava, apenas consentia e que marcava uma cumplicidade junto com seu olhar silencioso. Fica aqui algumas imagens dos modos de ser indígenas que compartilhamos.  

Imagens - Uruapeara/2011
















Imagens / Humaitá/2017 











* A narrativa de Cila encontra-se na íntegra na tese de doutorado " Tecendo Tradições Indígenas" de Márcia Nunes Maciel ( Márcia Mura).  

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Primeiro Encontro do Povo Mura

Para quem ainda acha que os Mura desapareceram no século XIX nas represálias contra a cabanagem,  esta enganado. Mais de milhares do nosso povo foi assassinado sim, mas continuamos existindo e resistindo! No Estado do Amazonas o Povo Mura está muito bem articulado. É bonito de ver os mais velhos junto com os mais novos afirmando a cultura Mura e lutando pelo direito a demarcação territorial, educação específica e diferenciada, saúde, a vida! A retomada Mura vem acontecendo em toda a Amazônia, mas nem todos os Mura ainda haviam se encontrado, assim, num mesmo lugar fisicamente, para debatermos sobre nosso movimento, nossas demandas, para nos conhecermos, nos abraçarmos, nos fortalecermos. Esse sonho foi realizado.
Nos dias de 25 a 27 de Janeiro de 2017 na aldeia Sissaima no Município de Careiro da Várzea aconteceu o primeiro encontro do Povo Mura com o esforço de cada uma e cada um Mura, que foram nos seus rabetas, carro ate onde deu de ir e barco. A união foi muito forte. Foi lindo demais nosso encontro, foi forte espiritualmente, politicamente, culturalmente.  Fiquei apenas um dia e meio, mas para mim foi uma vida inteira. Compartilho aqui alguns poucos registros que consegui fazer.











Herton grande liderança Mura




cacique da aldeia Cissayma





Uiliam Mura grande liderança Mura


sabedora tradicional que atua na educação especifica e diferenciada

Professora Clarice Arbela Tukano da rede Forreia dando total apoio para o Povo Mura